domingo, 12 de fevereiro de 2017

Tribunal

Não acredito que fui capaz disso... Não acredito que logo eu permiti que isso acontecesse.

Do meu lado direito vejo alguns olhares acusadores, que dispensam sentença e passam por cima de qualquer julgamento. Mas ainda assim esperam por algo, não consigo entender bem o que.

Olho pra mim e percebo que estou sentado em uma cadeira sem estofado, preta, dura, meio desgastada. Minhas mãos estão imobilizadas por algemas, sinto que isso é familiar, mas não consigo me recordar de outro dia em que as tenha sido obrigado a usar, jamais fiz algo punível. Como posso parecer já ter passado por isso?!

Levanto minha cabeça e vejo de pé alguém que não me é estranha, e que ao que parece fará minha defesa. Não consigo distinguir sua expressão quando olha pra mim, por isso não sei quão encrencado estou.

Olho pra trás e percebo que alguns vieram assistir. Posso dizer que muitos estão confusos como eu, mas me parece uma confusão diferente, parece que esperam pelos argumentos da defesa e da acusação para se posicionarem.

Lá fora ouço som de gritos uníssonos, e na hora que tento me concentrar para identificar o que falam ouço uma frase que faz tudo e todos tremerem, e o caos se instala, fora dito em alto e bom som "Declaro iniciado o julgamento".

Estou cansado, parece que se passaram anos e cá estou eu com estas algemas tendo que escutar todos calado, pois eles têm o direito de julgar, é seu trabalho. Canso-me mais por conta de todo o falatório e confusão e percebo que nem ao menos o motivo de estar aqui eu sei, e então ouço um "click", alguém desligou os interruptores, houve um blackout, acendem-se as luzes de emergência, mas todos permanecem imóveis, pela primeira vez pareço ser o único por aqui, pois ninguém respira ou se move, ninguém pisca ou aponta, não há nenhum movimento, estou só. 

Viro pra trás e percebo que a expressão dos que me assistem é assustadora, o júri mantém uma só expressão em cada um de seus componentes, a de completa certeza do que diziam e acusavam. Percebo que no momento em que o interruptor fora desligado foi o exato momento em que minha defesa tinha se virado para olhar-me, e apesar de uma aparente confiança em seu olhar vejo que há também pena. Abaixo a cabeça, me vejo, sinto dó de mim por estar parado ali e ao mesmo tempo passo a ser corroído pelo ódio de mim mesmo. Me odeio por ter este sentimento, me odeio por estar ali, me odeio por ter que ver olhares como o da minha defesa pra mim, como o da minha acusação pra mim.

"Click", repentinamente após o meu acesso de ódio alguém parece ter ligado novamente o interruptor, todos voltam ao normal, mas neste momento consigo ver com clareza tudo que acontece. Os gritos de fora que antes me pareciam confusos agora podem ser entendidos com facilidade, eles dizem "CULPADO". Parece estar tudo claro, mas ainda não entendo como eu mesmo estou ao mesmo tempo no lugar de juiz e réu. Percebo que o júri é composto por cada um dos ensinamentos e crenças aprendidos direta ou indiretamente durante minha vida inteira, como podem estar todos eles aqui? Olho para trás de relance e percebo que lá está boa parte das pessoas que conheço, e algumas das que conheci, mas não vejo há muito tempo, como conseguiram estar aqui? E por fim percebo que conheço algumas das vozes que gritam por culpado do lado de fora, não as vejo, mas sei quem são. Outras eu posso ouvir com clareza, mas não me lembro de quem são. 

Mas o que mais me intriga é que quem veio para fazer a minha defesa não é ninguém menos que a felicidade, como posso tê-la chamado atenção? Não tenho condições de pagá-la pelo que está fazendo. Quem a mandou?

"Click" mais uma vez, só que não consigo ver qual foi a sentença, como pode ter acabado?

Por Gleydson Matos
Em 11 de janeiro de 2015.

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Texto feito em expressão a toda liberdade que a comunidade LGBT precisa, como o grito de socorro que muitos tentam gritar e não conseguem e eu afirmo, vai passar! A sociedade é assim hoje, mas não vai ser assim pra sempre! Estou contigo!